Padrão, melisma, inovação: De Ateneu a Dulce Pontes

Autores

  • Manuel Pedro Ferreira CESEM / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa

Palavras-chave:

Canto gregoriano; Ritmo; Canção; Música tradicional; Fado; Adufe; Linhas-guias; José Afonso.

Resumo

A presença de padrões rítmicos na canção, em conexão com a sua letra, é corrente desde a Antiguidade; já a expansão melismática, que transcende o texto, está documentada desde a Idade Média. Ambos os fenómenos atravessam géneros musicais e regiões geográficas. A primeira parte do artigo trata da relação entre o melisma e o protagonismo do cantor. O melisma, que cumpre no Ocidente uma função litúrgica de diferenciação e sinalização ritual, pode surgir cristalizado em notação, como no ofertório gregoriano Gressus meos; mas pode também representar, para o cantor solista, um momento de liberdade ornamental, eventualidade aqui demonstrada para os séculos XI-XIII a pretexto da prósula Corde te pie parilis. Esta secção termina com uma recapitulação da teoria que explica a formatação rítmica espontânea na fixação de um melisma. Esta temática leva à segunda parte do artigo, que incide sobre padronização rítmica. Observando-se a transversalidade cultural de certos padrões tradicionais, documentados desde há mais de 500 anos, propõe-se uma teoria de formatação rítmica em contexto poético, aplicada ao verso heptassílabo, tendo em conta quatro tipos de constrangimento (formal, material, métrico e mélico). Um padrão pode ser também sujeito a circulação, reapropriação e ressignificação; após recapitulação dos precedentes medievais francês e árabe, demonstra-se esta possibilidade para certos usos do bombo ou do adufe, e também, tendo em conta o exemplo africano, para o «Guineo» polifónico do século XVII. A terceira parte do artigo explora a relação entre melisma e ritmo padronizado, com foco na obra de José Afonso, cujas vocalizações melismáticas são analisadas, revelando uma linha evolutiva. Revela-se também, em paralelo, o uso independente de padrões rítmicos. Abre-se então um parêntesis que incide sobre a linhagem fadística de uma moderna canção brasileira, «Mãe preta» (caracterizada quer pelo padrão de percussão, quer pela presença de um longo melisma), de que são exploradas as associações expressivas: negritude, exotismo, lamento e embalo. De passagem, revela-se a influência rítmica do fado no cancioneiro de Monsanto, a aldeia alegadamente «mais portuguesa de Portugal». A confluência expressiva de melisma e padrão acaba por ser encontrado em José Afonso, em conexão com a sua memória de África. O texto é profusamente ilustrado com exemplos, incluindo transcrições inéditas, quer de composições, quer de interpretações de cantoras profissionais (Lola Flores, Maria da Conceição, Amália Rodrigues e Dulce Pontes).

Biografia Autor

Manuel Pedro Ferreira, CESEM / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa

Manuel Pedro Ferreira doutorou-se em Musicologia na Universidade de Princeton (1997), especializando-se na Idade Média. Professor catedrático na NOVA FCSH, foi coordenador do CESEM entre 2005 e 2023. Escreveu ou coordenou mais de vinte livros e publicou mais de duzentos trabalhos científicos em livros e revistas, tendo dirigido vários projectos de investigação e criado, entre outras ferramentas digitais, a Portuguese Early Music database (2010-). Integrou a direcção da Sociedade Internacional de Musicologia (2012-2022). Fundou e dirige desde 1995 o grupo Vozes Alfonsinas, com o qual gravou oito CDs. Tem estado também activo enquanto crítico musical, compositor e poeta.

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Publicado

2025-10-28

Como Citar

Pedro Ferreira, M. (2025). Padrão, melisma, inovação: De Ateneu a Dulce Pontes. Revista Portuguesa De Musicologia, 10(2), 167–206. Obtido de https://rpm-ns.pt/index.php/rpm/article/view/497

Edição

Secção

Ensaio: Orador Convidado do XI Encontro de Investigação em Música (2022)

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