Padrão, melisma, inovação: De Ateneu a Dulce Pontes
Palavras-chave:
Canto gregoriano; Ritmo; Canção; Música tradicional; Fado; Adufe; Linhas-guias; José Afonso.Resumo
A presença de padrões rítmicos na canção, em conexão com a sua letra, é corrente desde a Antiguidade; já a expansão melismática, que transcende o texto, está documentada desde a Idade Média. Ambos os fenómenos atravessam géneros musicais e regiões geográficas. A primeira parte do artigo trata da relação entre o melisma e o protagonismo do cantor. O melisma, que cumpre no Ocidente uma função litúrgica de diferenciação e sinalização ritual, pode surgir cristalizado em notação, como no ofertório gregoriano Gressus meos; mas pode também representar, para o cantor solista, um momento de liberdade ornamental, eventualidade aqui demonstrada para os séculos XI-XIII a pretexto da prósula Corde te pie parilis. Esta secção termina com uma recapitulação da teoria que explica a formatação rítmica espontânea na fixação de um melisma. Esta temática leva à segunda parte do artigo, que incide sobre padronização rítmica. Observando-se a transversalidade cultural de certos padrões tradicionais, documentados desde há mais de 500 anos, propõe-se uma teoria de formatação rítmica em contexto poético, aplicada ao verso heptassílabo, tendo em conta quatro tipos de constrangimento (formal, material, métrico e mélico). Um padrão pode ser também sujeito a circulação, reapropriação e ressignificação; após recapitulação dos precedentes medievais francês e árabe, demonstra-se esta possibilidade para certos usos do bombo ou do adufe, e também, tendo em conta o exemplo africano, para o «Guineo» polifónico do século XVII. A terceira parte do artigo explora a relação entre melisma e ritmo padronizado, com foco na obra de José Afonso, cujas vocalizações melismáticas são analisadas, revelando uma linha evolutiva. Revela-se também, em paralelo, o uso independente de padrões rítmicos. Abre-se então um parêntesis que incide sobre a linhagem fadística de uma moderna canção brasileira, «Mãe preta» (caracterizada quer pelo padrão de percussão, quer pela presença de um longo melisma), de que são exploradas as associações expressivas: negritude, exotismo, lamento e embalo. De passagem, revela-se a influência rítmica do fado no cancioneiro de Monsanto, a aldeia alegadamente «mais portuguesa de Portugal». A confluência expressiva de melisma e padrão acaba por ser encontrado em José Afonso, em conexão com a sua memória de África. O texto é profusamente ilustrado com exemplos, incluindo transcrições inéditas, quer de composições, quer de interpretações de cantoras profissionais (Lola Flores, Maria da Conceição, Amália Rodrigues e Dulce Pontes).
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Secção
Licença
Direitos de Autor (c) 2025 Revista Portuguesa de Musicologia

Este trabalho encontra-se publicado com a Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0.
						
							

