Os instrumentos musicais tradicionais portugueses no ensino especializado de música: Uma ausência (con)sentida

Resumo

Este artigo reflete sobre a quase ausência dos instrumentos musicais tradicionais no âmbito dos Cursos Artísticos Especializados de música em Portugal, bem como sobre os desafios colocados pela inclusão de alguns destes instrumentos em escolas do ensino artístico especializado. Para abordar este tema, tomamos de empréstimo alguns conceitos cunhados pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, nomeadamente aqueles que abordam, criticamente, os fenómenos de subordinação e as lógicas subjacentes à produção da não-existência em sociedade. Este contributo teórico permitiu-nos traçar a justificação para a referida ausência num continuum de cinco domínios fundamentais: estético, marcado por um monopólio dos instrumentos que promovem o cânone da música clássica; técnico, em que atributos como «complexidade» e «rigor» parecem ser reconhecidos apenas a estes instrumentos; pedagógico, em que a adaptabilidade e a sincronicidade do conhecimento musical com os diferentes conteúdos da prática instrumental encontram maior eco neste tipo de oferta instrumental, presumível afinidade musical, em que os agentes políticos e educativos pressupõem a existência de uma maior familiaridade com estes instrumentos musicais, e, finalmente, o domínio da indiferença, em que a irrelevância, ou mesmo a ignorância sobre os instrumentos musicais tradicionais portugueses é evidenciada face a um cânone musical erudito hegemónico. O estudo centra-se no período compreendido entre meados da década de 1980 e o início da década de 2020, e sustenta-se em trabalho de campo, pesquisa e análise documental (programas de estudos, orientações curriculares e manuais de ensino) e num estudo sistemático da legislação que enquadra o ensino artístico especializado de música em Portugal.